04 julho 2006

O professor de sociologia

Em Março deste ano, duas estudantes universitárias escreveram ao coordenador de graduação do Departamento de Sociologia de uma universidade brasileira a carta que a seguir transcrevo, da qual apaguei os nomes da universidade, do professor e das estudantes subscritoras:
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…, 27 de março de 2006.

Ao Sr. Coordenador de Graduação,

Queremos dar conhecimento ao Departamento de Sociologia de alguns fatos ocorridos durante a aula de “Introdução à Metodologia em Ciências Sociais”, no horário de 16h às 18h, pelo Professor…, no dia 15 de fevereiro de 2006. Fomos alunas regulares do referido curso e todos os fatos abaixo listados correspondem à absoluta verdade. Em nossa opinião, o Professor… abordou o desenvolvimento sociopolítico do Brasil de uma maneira pouco condizente ao esperado de um Doutor de Sociologia.
Ao se referir às religiões africanas, o Professor… disse que elas seriam responsáveis pela irracionalidade predominante no Brasil, tendo sido essa irracionalidade o que prejudicou seriamente o desenvolvimento do país. Na mesma seqüência argumentativa, acrescentou que as magias africana e indígena foram responsáveis pelo cenário de subdesenvolvimento nacional, pois são crenças com um forte componente irracional, além de serem imediatistas. Esse caráter imediatista das crenças teria dificultado a construção de uma sociedade com projeto de futuro. Para o Professor, basta comparar o Brasil a outras sociedades capitalistas desenvolvidas e pautadas por valores protestantes racionais. Segundo o Professor, somente a mentalidade de uma religião dualista seria capaz de desenvolver uma nação, fato que não teria ocorrido no Brasil. A conclusão desse percurso sociológico pelas religiões africanas e indígenas foi a afirmação de que teria sido proveitoso para os africanos caso tivessem assimilado os valores morais dos países de religiões cristãs: essa conversão religiosa construiria bases mais sólidas para o desenvolvimento africano. Nas palavras do Professor…, “samba de crioulo não usa nem a metade das sete racionalidades encontradas na música clássica”.
Ao ser questionado sobre a política de cotas da Universidade de Brasília, o Professor agiu com sarcasmo, dirigindo-se aos alunos perguntando se realmente nós acreditávamos que “essa idéia daria certo”. Segundo a análise sociológica e política do Professor, a elite branca detém e sempre deterá os principais postos de hierarquia do poder, ou nas palavras literais dele, “quando a…estiver cheia de negros, os ricos dirão que ela… não presta, e o melhor será o…. E todos correrão para lá”... Acrescentou que as cotas não teriam sucesso, pois o que o Brasil precisa é de uma reforma de base na educação. O Professor não se deu ao trabalho de explicar ou mesmo apresentar fatos que comprovassem seu argumento pela reforma de base na educação em detrimento das cotas universitárias.
Ao tentar exemplificar porque não havia nadadores negros internacionalmente reconhecidos, seu argumento foi de que “os negros têm os ossos mais pesados e nunca ganhariam”. Foi no mesmo espírito sociológico que o Professor perguntou para uma aluna se ela colocaria um negro como maestro de uma orquestra sinfônica européia, argüindo que o negro não tem o padrão dos maestros desse nível. E para corroborar essa imagem vulgar do negro perguntou retoricamente: “vocês já viram preto ser bonito nesse país?”. Ao ser questionado pelos alunos como esse raciocínio poderia se fundamentar na teoria sociológica ou mesmo se seria justo para uma democracia racial, pois há muitas pessoas e grupos na…e no Brasil lutando para desconstruir essas idéias racistas, ele respondeu sem qualquer convencimento: “mas eu não sou racista, pelo contrário sou anti-racista”.
De posse desses fatos acima listados, solicitamos ao Departamento de Sociologia da Universidade de… que inicie uma averiguação, capaz de: 1. avaliar em que medida essas foram posições teóricas e analíticas esperadas de um professor de uma disciplina obrigatória para o curso de Ciências Sociais; 2. averiguar se houve ou não expressão de valores racistas travestidos de análises sociológicas rasteiras e vulgares sobre fatos e fenômenos da vida política e cultural brasileira e 3. emitir um pronunciamento público aos alunos sobre como o Departamento de Sociologia lida com fatos semelhantes.
Sendo o que se presta no momento, aceite nossas cordiais saudações,



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Dispenso qualquer tipo de comentário.

5 comentários:

Anónimo disse...

se esse homem q se julga professor de sociologia, pronúnciou tais palavras.
Eu realmente desconheço um Professor desse gabarito de inteligência.
Pois o mesmo continua se achando "anti-racismo", segundo li na carta das alunas.
O pronunciamento deveria ser nacional para todas as Faculdades e Universidades do Brasil.
Fico e estou indignada com tais fatos de um home que se julga "mestre" na disciplina que atua.

Mangue disse...

Algumas outras reacções:

Putz! Tô de cara!! Isso ocorreu mesmo????
Como é possível?
Abs,
Valéria.

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Fiquei estupefacto com esses posicionamentos racistas do professor. Lamentável ! É preciso que se investigue a questão e que possam ser tomadas as medidas adequadas.
Um abraço.
Miguel

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queridos colegas,

é terrível o texto que estou encaminhando a vcs, primeiro por quem foi proferido e denunciado, afinal é dentro das universidades que esperamos maior consciência e sensibilidade para compreendermos o mundo, segundo pq quem proferiu estas inverdades foi um professor concursado que está ali para contribuir para o futuro de nosso país, (ainda mais recebendo fundos públicos) e terceiro que está mais que comprovado que os sistema de cotas, além de ser uma ferramenta a disponibilizar aos alunos mais carentes oportunidade de inclusão, é um sucesso. Ridículo é este tipo de preconceito que a gente luta o tempo todo e não devemos nos submeter a este pensamento arrogante, espero que vcs repassem e possamos problematizar a questão e
não simplesmente ignorar o fato de que nós não somos um país desenvolvido pq temos uma parcela enorme de nossa população que não teve acesso a educação com qualidade e ampla para todos. Além, é claro, de mais de 300 anos de escravidão, o que significa 300 anos de diferença entre os que sempre tiveram educação e direitos de atuação no mercado, para quem não pode sequer opinar em nada. o problema das cotas, não é encher as universidades de pobres e negros, é encarar uma situação que é urgente e uma atitude anti-democrática e racista. De todos os estudos que agora podem dizer o resultado de alunos advindos das bolsas de cota, mostram que são alunos que dentro da universidade estão além da média, tendo inclusive índices superiores aos alunos vindos de escolas particulares (leiam "os talentos que vem da escola pública" de José Tadeu Jorge, publicado em O Estado de São Paulo, 17 de junho de 2006, e que está no boletim da ufmg, desta semana), ou seja, o que falta é oportunidade. Espero que o texto lhes transmita o mesmo nojo e horror que tive e que possamos a partir deste exemplo, mostrar que este é um exemplo a ser tomado com muita seriedade, afinal estamos falando de um professor que fez no mínimo um contrato onde está explícito o caráter ético para com o trato a seus alunos e a nossa cultura, que é maravilhosa com toda a seu multiculturalismo. bjos a todos,

Ana Paula

Anónimo disse...

Este profesor, podía unirse a las filas de los que en el mundo entero creen que los negros "son una raza inferior", con derecho al trabajo que los blancos no quieren hacer, culpables de su miseria, etc. Me parece incomprensible que nadie piense de esta forma, pero creo que es intolerable cuando ese alguien es un profesor de Sociologia!!! de una universidad pública. Estoy muy de acuerdo con la entrada de Ana Paula, cuando hace referencia a los 300 años de esclavitud, cuando habla del multiculturalismo de Brasil...con, la entrada en general..es un asunto serio.
Lo que más me inquieta es que son opiniones "científicas", no de una
"persona cualquiera". No puedo evitar acordarme (no hace tanto tiempo) de aquellos tiempos en que las mujeres no solo no teniamos alma, nuestro cerebro era más pequeño y estábamos incapacitadas para absolutamente todo..
Este mundo es todavía de los hombres....blancos, pero cambiará!! ya lo está haciendo.
Carmen

Rafha disse...

Bom pessoal, venho aqui dar minha opinião, buscando através dela ajudar a entendermos essa situação. Eu realmente acredito que este professor apenas não foi feliz na sua explicação. Acredito que ele apenas relatou "fatos" reais que ocorrem na nossa sociedade, e não sua opinião própria. Somos sim racistas se não fossemos a sociedade seria de "fato" diferente, não adianta julgarmos "um" sujeito e esquecermos o que devemos fazer. começando por aceitarmos a realidade e transforma-la.

Anónimo disse...

Eu estudei em uma conceituada Universidade do Nordeste e tive uma professora que diante de toda a turma, certa vez expressou opiniões semelhantes as do citado. Uma pena! Observa-se que quem se diz tão "letrado" poderia promover debates mais construtivos e respeitosos. Nossa sorte é que os alunos cada vez mais, acredito, estão pensando mais e constatando suas próprias interpretações da realidade. Esse é o ponto fundamental da educação, a capacidade de atuar de forma crítica em sua própria realidade.