30 junho 2006

Um texto sobre democracia traduzido por Iolanda Aguiar

Bom dia Professor

Saiu este artigo no jornal Le Monde de hoje a propósito do livro "A Democracia" do italiano Luciano Canfora.
Achei-o interesante e por isto traduzi-o, dei-me ao trabalho de traduzir (o que não é o meu prato forte), uma parte do artigo. Mas ao entrar rapidamente em seu blog, não sabia onde colocá-lo, acresce o facto de que não fiz comentário algum, por falta de tempo. Entretanto, julgo que é uma informação a partilhar. Por isto deixo-o ao seu critério.
Aqui vai:

A história no prisma de Canfora

Antes mesmo de aparecer em França o livro do italiano Luciano Canfora, sobre a democracia, foi alvo de uma grande polémica na Alemanha, onde foi recusado pelo editor C.H. Beck, de Munique, mas o texto foi editado por Papyrossa, um editor de Colónia.
(...)
Segundo Daniel Vernet (autor do artigo publicado no Le Monde de hoje, EM VEZ DE DE SER BOCOITADO O TEXTO SOBRE A DEMOCRACIA MERECE UMA DISCUSSÃO SÉRIA. Canfora percorre a história da Europa desde a antiguidade até aos nossos dias. Para ele, aquilo que é costume chamar democracia, pelo menos na sua forma liberal representativa e parlamentar, não é mais que um modo de dominação de grupos dos possuidores sobre os que não possuidores. A verdadeira democracia resulta, escreve ele, “da preponderância (temporária) dos não possuidores ao longo da luta pela conquista da igualdade”.
Através da história, a democracia existiu raramente. Em todo o caso ela não existiu na Grécia antiga, contrariamente ao que se preconiza. Não se encontra autor grego algum que faça elogio da democracia, afirma Canfora. Somente as traduções e as interpretações duvidosas permitem citar o contrário, diz ele, referindo-se a Tucídedes e Péricles.
(...)
Finalmente, para o nosso autor, as democracias “populares” poderiam ter sido verdadeiras democracias se os dirigentes comunistas não tivessem acreditado que o seu sucesso eleitoral do início revezado por “avanços sociais”, lhes conferiria uma legitimidade permanente. Eles acabaram desabando sobre o peso das suas contradições internas e da propaganda ocidental, deixando lugar ao que os Gregos apelariam uma “constituição mista”, o poder de uma oligarquia regularmente legitimada pelo povo. A liberdade, diz Canfora, lamentando, “l’a emporté sur la liberté. Est-ce bien sûr ? Et si c’était vrai, faudrait-il le déplorer?”

(Daniel Vernet in Le Monde, 30/6/06)

Saudações cordiais
Iolanda Aguiar
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Obrigado, Iolanda!

Dois documentos históricos notáveis



Estes são dois livros fundamentais na nossa história cultural. O primeiro foi editado em 1980 pelo então Gabinete de Organização do Festival da Canção e da Música Tradicional, o segundo em 1975 pelo então Fundo de Turismo quando Maputo ainda se chamava Lourenço Marques.

Desaparecem sete biliões de meticais

Segundo o jornalista Cadre Zacarias, sete biliões de meticais desapareceram dos cofres da Câmara Municipal de Quelimane, em roubo descoberto por duas equipas de auditoria. A oposição criticou a bancada maioritária na Assembleia Municipal (AM), do partido no poder, referindo que contabilistas tinham comprado carros e moradias em pouco tempo. De acordo com o jornalista, o presidente da Câmara recusou numa sessão da AM um pedido da oposição para se levantar um inquérito. Outros problemas graves foram denunciados nessa sessão. O jornalista afirmou terem sido baldados os seus esforços para ouvir o edil ("Zambeze" de ontem, p. 26).

Crianças vendem moeda estrangeira em postos fronteiriços


De acordo com o jornalista Nelo Cossa, do semanário “Zambeze” (edição de ontem, p.22), crianças entre os nove e os 12 anos vendem moeda estrangeira (dólares norte-amerianos e zimbabweanos, rand sul-africano e a kuacha malawiana) em Chuchamano (posto fronteiriço entre Moçambique e o Zimbábuè) e Moatize (posto fronteiriço do Zóbuè entre Moçambique e o Malawi). Segundo o jornalista, há crianças que movimentam mais de dois mil dólares.
O negócio permite comprar comida, material escolar e roupa.
À retaguarda das crianças parecem estar mulheres, as titias, num complexo sistema de contrabando e suborno que envolve a polícia.
No Zóbué, o jornalista viu crianças a fumar e beber bebidas alcoólicas.

28 junho 2006

O conflito homem-animal: um falso problema com solução de bombeiro

Nos últimos dias a nossa imprensa e, especialmente, a Rádio Moçambique, tem dado grande destaque ao que chama “conflito homem-animal”. Ministros há que se deslocam às províncias para debater com os governantes locais tão triste situação. A pergunta é: como evitar que os mauzões dos elefantes, dos leões e dos macacos dêem cabo da nossa paciência e das nossas vidas?
O nosso (ou deles, claro) velho Marx diria que é necessário verificar se a impossibilidade de solução do problema não está contida nas premissas da questão tal como esta foi formulada. Frequentemente, diria ele se hoje viesse a este país, a única possível resposta consiste em criticar e eliminar a questão tal como foi colocada.
Ora, o problema não está nos animais em si, o problema está em nós, humanos. O conflito não é entre nós e os animais, mas entre nós, humanos, entre a mentalidade de bombeiro e a mentalidade de previsão, monitoria e solução coerente.
Em lugar de querermos matar uns tantos animais rapidamente com a mentalidade urgencial do bombeiro, seria saudável mudar o cerne do problema e colocar, entre outras, as seguintes quatro perguntas de partida:
1. Qual a razão ou quais as razões por que os animais atacam seres humanos?
2. Dispõe cada localidade, cada posto administrativo, de pelo menos um caçador, de uma arma tipo 365 e de munições suficientes para o abate controlado de certos animais?
3. Dispõe cada chefe de posto, cada administrador, de uma história circunstanciada das deslocações populacionais provocadas, por exemplo, pela guerra civil ou por problemas como cheias, secas, chuvas prolongadas e copiosas?
4. Dispõe cada chefe de posto, cada administrador, de informação regular e actualizada sobre a distribuição zonal dos animais selvagens, sua quantidade e diversidade e sua movimentação, com recurso, por exemplo, a fotografias via satélite?

Seios queimados para adiar vida sexual


Nos Camarões, muitas mães têm por hábito queimar os seios das filhas adolescentes para adiar o início da sua vida sexual. Estima-se que 26 % das adolescentes camaronesas passam por essa dolorosa experiência. Pilões de cozinha aquecidos na brasa, casca de coco, bananas e pedras são os utensílios usados para o efeito. Está em curso uma campanha nacional para combater a prática.
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http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/06/060623_camaroesmeninas_is.shtml http://www.afrik.com/article9920.html
http://www.liberation.fr/page.php?Article=387751

26 junho 2006

Poder

“Um poder não tenta compromissos senão quando já perdeu. Ele não é fraco porque cede: ele cede porque é fraco.”
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Sperber, Manès, Psychologie du pouvoir. Paris: Éditions Odile Jacob, 1995, p. 95.

Reinar

“A mania de reinar sobre os espíritos é a mais poderosa das paixões” (Napoleão)

Desconstruir o sempre-foi-assim

Já várias vezes, ao longo deste diário, tenho tentado mostrar, certamente de forma canhestra, que o linear em sociedade é bem menos linear do que pensamos.
Tudo aquilo com o que socialmente nos confrontamos apresenta, afinal, a estrutura dos problemas com que se confrontam os arqueólogos.
Numa estação estratificada, que por vezes levou anos a encontrar, os arqueólogos observam conjuntos de diferentes tipos que se seguem uns aos outros, conjuntos culturais diferentes, uma sequência cultural. Eles recolhem e estudam artefactos, por outras palavras, coisas feitas ou desfeitas por uma deliberada acção humana. O trabalho dos arqueólogos consiste, exactamente, em encontrar a chave cognitiva que permite abrir e compreender uma dada organização social remota, desaparecida.
O fundamental para mim aí consiste em que o arqueólogo trabalha não apenas com testemunhos da acção humana mas, também, com diferentes camadas de significados. Esses testemunhos e esses significados não são lineares, eles não estão hoje vivos, estão submersos, a lógica original na qual estiveram situados perdeu-se para sempre. O problema, então, consiste em “cavar” com profundidade nesses testemunhos e nesses significados.
Quais são os artefactos em sociologia? São actos, palavras, movimentos, lógicas materiais e simbólicas, coisas actuais, à nossa frente, dentro de nós. Tal como os arqueólogos, temos de cavar sempre mais fundo para encontrar os significados de tudo isso.
É para nós vital ter em conta que nenhum dos nossos artefactos é puro em si: palavras, actos, movimentos, lógicas corporais, regras, etiquetas, etc., não têm aquela estrutura inofensiva, digamos assim, dos artefactos arqueológicos, parados, à mão de semear.
No nosso caso, todos os nossos artefactos têm de ser avaliados e libertados da pátina, de tudo aquilo que de alguma forma “oxidou” o gesto, o texto, o significado original.
A pátina é completamente social e constituída por todo um conjunto de relações sociais assimétricas que foram plasmadas em tudo o que fazemos, dizemos, mexemos, etc. Por isso, nada do que vemos ou ouvimos é linear no sentido de que sempre as coisas foram assim ou inocentemente assim.
O fundamental na sociologia consiste em não tomar o social pelo seu valor facial. Importa, a todo o momento, dessocializar o social para o ressocializar melhor. O sociólogo não constrói actos sociais, mas “construídos” (digamos assim) sociais.
O sociólogo deve ser, também, profundamente freudiano e saber encontrar a profundidade, digamos que o inconsciente (deliberado ou não) das lógicas sociais que configuram os artefactos com que lida. Atrás dos actos, sejam eles quais forem, existe todo um espólio de arquétipos, de inconscientes colectivos e pessoais, toda a complexidade da anima (no sentido de C. Jung) que importa exumar, trazer à superfície.
O que nos surge nas entrevistas, nas respostas aos questionários, na observação quotidiana, tem de ser profundamente reorganizado, reavaliado, reaprofundado, numa escavação em profundidade rigorosa, num exercício de decifração do evidente, do natural, do sempre-foi-assim.
Tomai o social por um palimpsesto: que “escritas” sociais aí estavam antes do “texto” que agora “leis”?
Mas, atenção, antes de executarem esse trabalho, comecem por vós, escavem primeiro em vós, escavem os vossos pressupostos, os vossos arquétipos.
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(1) Procurei assim responder ao Patrício Langa.
(2) O meu obrigado à Resaly por me ter acompanhado neste texto.

25 junho 2006

Sempre mais fundamente

Sabes, sociólogo, neste social em que vives não é o que vês que é fundamental, mas o que não vês ou não podes ver ou não queres ver.
É sempre aquela pequenina coisa – que os seres humanos tornam grande, terrível, triste ou imensamente alegre – que nos escapa, que é rebelde ao nosso treino de faculdade e aos muitos manuais que soterram a nossa capacidade de espanto, embotam o nosso sentido arqueológico e amordaçam aquela alma fascinante que nos pode conduzir a procurar mais fundamente, sempre mais fundamente.

24 junho 2006

Livro com material deste diário

A todos os que visitam este diário (419 entradas com esta) e comigo partilham generosamente este percurso epistemológico iniciado a 21 de Abril, permitam-me informar que uma parte significativa dos textos aqui publicados vai dar origem a um livro a ser editado pela Imprensa Universitária da Universidade Eduardo Mondlane.
Mas o diário prossegue e prosseguirá.
Um abraço.

Desnaturaliza o social!

Todos os dias cada um de nós vê o social nascer, desdobrar-se, agitar-se, espreguiçar-se, conformar-se, protestar.
Todos os dias vemos pessoas, cruzamos com pessoas, vivemos papéis, representamos papéis, mergulhamos em tarefas, trocamos milhares de sinais, de regras, de códigos, de disciplinas, de subversões, de coisas que nos agradam, nos dão prazer, nos humilham, nos fazem ir para a frente, nos fazem regressar ao passado, todos os dias somos um comboio fatal que nasce e morre para renascer no dia seguinte, todos os dias somos um pêndulo que parece oscilar sempre da mesma maneira, como se o seu destino fosse esse desde sempre e por isso mesmo dispensasse a benevolência de um deus criador.
De tanto todos os dias fazermos, sentirmos, pensarmos as mesmas coisas, acabámos e acabamos por achar que tudo isso é natural, que tudo isso tem uma lógica de geração espontânea que dispensa a análise, que tudo isso tem a natureza rigorosa do costume, que tudo isso é assim, foi assim e sempre será assim. Como diz uma bela frase do nosso vocabulário popular, “não vale a pena!”, as coisas são assim.
Porém, cada uma dessas formas de ser, cada uma dessas interacções diárias, a mais pequena página de um olhar, a mais humilde nervura de uma carícia, de uma tarefa, tudo isso é uma construção social, tudo isso é construção e reconstrução diárias, tudo isso implica retomar, readquirir, não esquecer, tudo isso é um permanente trabalho de disciplinarização, de monitoria individual e colectiva, de apreço e de punição, de amor e ódio, tudo isso é um novo social cada vez que começamos um aparente velho dia.
Nada se repete salvo a permanente socialização dos nossos actos, esse armário com gavetas sempre plenas de coisas novas que, a nós, parecem velhas pelo uso. Até os hábitos são sempre novos, pois implicam reinserção social permanente.
Fixa: a única coisa velha que há é sermos novos em permanência.

Não há mirantes sociológicos privilegiados

A propósito de duas entradas neste diário (a do “senta-abaixo” e da viagem Maputo-Chicualacuala), Patrício Langa afirmou de forma exemplar e contrariando uma posição minha a propósito do senta-abaixo (veja os seus comentários nas entradas referidas), que o sociólogo não tem um mirante privilegiado para estudar o comportamento social. Por outras palavras, todos os lugares são privilegiados. “Cada lugar é parte integrante deste país” – escreveu -, cada lugar é este país real, com suas múltiplas e quantas vezes chocantes diferenças.
Nada me resta senão estar de acordo e agradecer a correcção feita por Langa.

23 junho 2006

Estamos convencidos

De acordo com o “TribunaFax” (edição de ontem), a antiga ministra da Educação, Graça Machel, criticou o facto de o Ministério da Educação e Cultura (MEC) ter criado um novo currículo para o ensino primário sem debate público prévio.
O jornalista Nelson Nhatave ouviu a propósito Anísio Matangala, porta-voz do MEC, que terá declarado o seguinte (colocámos prepositadamente a negro algumas afirmações):

“Temos acompanhado pronunciamentos das pessoas segundo os quais as crianças chegam à sétima classe sem saber ler nem escrever. O Ministério da Educação e Cultura não partilha deste pensamento, muito menos de levar a questão ao debate público. Estamos convencidos de que muitas crianças estão a aprender com base neste currículo. As pessoas são livres de exprimir a sua opinião. Ademais, não sabemos se esta é uma constatação científica”.

22 junho 2006

Precaridade social em Moçambique


(Edição de 2005)

Os dízimos da Igreja Universal do Reino de Deus

"Cidade de Tete
7:15 horas
Novembro de 2001

O pastor disse que aquele que trouxe a sua oferta devia levantar a mão e dizer: Senhor Meu Deus consagra esta oferta para obra de Deus. E você que não trouxe levanta a mão, fecha os olhos e diga: Senhor Meu Deus ajuda essa pessoa para que o dízimo passe nas mãos dele. Aquele que não tem ainda o envelope do dízimo venha aqui à frente pegar o envelope, se quer apostar com Deus para fazer milagre, diga que quer apostar com:
2.500.000, 00 Mts
1.500.000, 00 “
1.000.000, 00 “
500.000,00 “
250.000, 00 “
E no fim da missa o pastor disse: Senhor Meu Deus, abençoa este povo, que saia daqui com a sua bênção.”
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Registo feito pela minha investigadora Petricia Lalmamad no seu diário de campo, após assistir, na cidade de Tete, a um culto no templo da Igreja Universal do Reino de Deus.

Vá, sociólogo, senta-abaixo e colhe o país real!

Escuta, sociólogo, faz o seguinte: vai ali para o Xiquelene ou, melhor, vai para as bancas do carvão ali à saída da cidade, junto à rotunda, onde estão as nossas mamanas sentadas ao sol horas seguidas, com os filhos às costas.
Vá, deixa um pouco as consultorias e faz isso, para te reciclares, para te re-oxigenares, para te re-humanizares.
Senta-te, não leves nem bloco nem caneta. Senta-te como elas, com as mamanas, no senta-abaixo, como se diz popularmente, quer dizer, senta-te no chão.
E observa, coisa a coisa, detalhe a detalhe, toda aquela espantosa lufa-lufa, todo aquele mundo sem fim do bula-bula, no anda-que-anda, no vai-vem, hora após hora, desde manhã levantada ao sol a pôr-se.
Mete dentro de ti tudo, palavras, gestos, movimentos.
Não deixes absolutamente nada de fora: histórias, críticas, risos, choros, tristezas, alegrias. Colhe tudo da química espantosa dessa vida, dessa labuta dura.
Sabes, sociólogo, junto ao senta-abaixo da modesta carvoeira que tem o filho às costas e a quem ela alimenta com o resto de mandioca do dia anterior ou com o excedente de amendoim para venda, tens todo o país à mão, o real país, em bruto, aquele que não cabe nas estatísticas e nos relatórios bien que damos a conhecer nas climatizadas salas dos hotéis mais caros da cidade.

A grande aventura: 18 horas em 522 quilómetros de comboio

Parte-se de Maputo às 13 horas de cada quarta-feira, se não houver imprevisto, e chega-se no dia seguinte a Chicualacuala às 5 ou 6 horas da manhã, se não ouver atraso. São 522 quilómetros de comboio durante cerca de 18 horas, à razão de 29 quilómetros por hora, com mais de 50 paragens. O percurso inverso faz-se na quinta-feira.
O comboio tem dez carruagens, das quais oito são para a terceira classe.
A maior parte dos passageiros viaja na terceira classe, apinhada, três passageiros em cada banco. É como viajar num chapa.
São todas as semanas milhares de pessoas, especialmente mamanas, que fazem o percurso de ida-e-volta para Chicualalacuala. Para lá levam produtos alimentares e de limpeza, vestuário, etc., que trocam em Chicualacuala por gado, carvão, milho e carne, para posterior revenda em Maputo. Cada paragem é motivo para a formação rápida de uma feira ambulante.
Entrar ou sair do comboio é uma odisseia. Estar lá dentro é bem pior. Segundo Raul Senda, o jornalista que fez a excelente reportagem da viagem, não ná sanitários e viaja-se entre roubo, bebedeira, desconforto e cheiro nauseabundo.
Este é um tipo de trabalho que, infelizmente, os nossos sociólogos não fazem.
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Semanário "Zambeze" de hoje, pp.16-17.

21 junho 2006

Livro fundamental


Eis um livro fundamental para compreendermos o itinerário da Renamo, acabado de sair em Maputo, escrito por quem para ela trabalhou e que sabe muito de como este país foi destruído por uma guerra que durou 16 anos.

19 junho 2006

Raparigas mais violentas do que rapazes quando namoram - revela estudo feito em Portugal

A nossa vida é, como sabeis, um enorme armário cheio de gavetas carregadas de ideias-feitas e de estereótipos, do género: os homens amam o ódio, as mulheres o amor; os homens batem, as mulheres defendem-se; os homens são pela violência, as mulheres pela paz.
Poderíamos multiplicar os exemplos desta nossa saborosa arte de simplificar a vida.
Mas as coisas são muitas vezes diferentes e nos surpreendem.
Assim, um estudo apresentado em Maio na cidade portuguesa de Évora pela Associação de Planeamento Familiar (APF) sobre a vitimização sexual nas relações com pares em mulheres adolescentes, revela que são as raparigas quem mais uso faz da violência física durante o namoro. Empurrões, murros, bofetadas e arremesso de objectos são as formas mais frequentes de agressão. De acordo com Nelson Rodrigues, psicólogo da APF, “as mulheres recorrem mais à agressividade, resultante da perda de controlo, normalmente numa discussão”. A execução do estudo baseou-se em 596 inquéritos feitos em escolas secundárias, profissionais e de ensino superior de Portugal. Foram inquiridas 444 mulheres e 152 homens, com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos. A diferença entre o número de inquéritos do sexo feminino e masculino é justificada pela maior percentagem de mulheres existentes no ensino em Portugal.
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Veja o portal:
http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?idCanal=0&id=201018
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Observação : estudos como esse são sempre úteis quando desconstroem certas das nossas mais preguiçosas concepções identitárias. Porém, fazendo-o, frequentemente segregam novas, tão preguiçosas quanto as iniciais. As raparigas aparecem no estudo como um conjunto unitário, sem fissuras, um bloco comportamental coeso face ao bloco dos rapazes, uma unidade que parece não ter, por exemplo, tempo, contexto epocal, estatuto social, pluralidade de motivos, etc.

18 junho 2006

A luta continua: denunciemos implacavelmente a desumanização!


A mutilação genital mata, mata raparigas e mulherss, provoca hemorragias e infecções terríveis e incuráveis, priva a mulher do prazer sexual com a ablação do clitóris, destrói-a moralmente. ofende-a sem remissão.
Nenhum deus, nenhum ser, nenhum potentado é livre de nos desumanizar.
Perante isso, perante todo e qualquer fenómeno que ofenda e desumanize, nós, cientistas sociais, só temos uma missão: a denúncia permanente, a luta implacável por todos os meios ao nosso alcance contra todos os costumes e tradições que nos matam, nos tiram a dignidade, nos privam do direito de ser.
A luta continua!
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Uma vez mais o meu mais profundo obrigado à Carmen, leitora atenta deste diário, pelo envio de Espanha, via email, do mapa da ablação em África.

Todos os anos três milhões de raparigas e mulheres são genitalmente mutiladas


Três milhões de raparigas (entre os 4 e os 14 anos) e mulheres sofrem anualmente mutilação genital (ablação do clitóris) em 28 países muçulmanos de África e Médio Oriente, revelou um relatório da UNICEF divulgado a 26 de Novembro do ano passado.
Aquele organismo internacional calculou que 130 milhões de raparigas e mulheres já tinham sofrido a ablação, especialmente na África subsaariana e no Médio Oriente.
Estima-se que a mutilação genital (a chamada circuncisão feminina) afecte metade das mulheres africanas e, por exemplo, 94% das mulheres do Mali. Na Mauritânia, três em cada quatro mulheres são mutiladas. Entretanto, nos países onde ocorre o ritual, seis mil correm o risco de a sofrer diariamente.
A mutilação provoca mais mortes nas mulheres entre os 15 e 44 anos do que o cancro.
Os seus defensores afirmam que a prática permite a integração da mulher no mundo social dos adultos.
O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, afirmou que é "a mais atroz das manifestações de discriminação que a mulher sofre sistematicamente em todo o mundo, na lei e em suas vidas diárias, independentemente do país, da cultura, da renda, classe social, raça ou etnia".
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Portais para consulta:
http://www.unicef-icdc.org/publications/pdf/fgm-e.pdf
http://www.gabeira.com.br/noticias/noticia.asp?id=1336
http://jpn.icicom.up.pt/2005/11/24/excisao_atinge_tres_milhoes_de_raparigas_por_ano.html http://dossiers.publico.pt/shownews.asp?id=1239931&idCanal=967
http://africa.expresso.clix.pt/africa/artigo.asp?id=24761072
http://www.elpais.es/articulo/elpporsoc/20051126elpepisoc_7/Tes
http://es.wikipedia.org/wiki/Ablación_(sexual)
http://spain.amref.org/index.asp?PageID=86
http://www.afrol.com/es/articles/17196
http://www.nodo50.org/mujeresred/msf.htm
http://www.mujeractual.com/sociedad/mujer/ablacion.html
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Um grande obrigado à Carmen que, de Espanha, por email, me recordou hoje este fenómeno, enviando-me uma reportagem sobre a realidade do fenómeno na Mauritânia, publicado, hoje também, no periódico espanhol El Pais.

17 junho 2006

Aisha, mãe aos 10 anos


Esta criança queniana, de 10 anos, deu à luz, por cesariana, um bebé pesando 2.800 kg. Uma informação dá conta de que Aisha tinha 6 anos quando Muhammad, de 59, se “casou” com ela e consumou o casamento quando ela tinha 9 anos.
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Veja http://freerepublic.com/focus/f-chat/1431776/posts
Agradeço ao colaborador Mangue por me ter chamado a atenção para este fenómeno.

Mensagem urgente para Mangue

Meu caro Mangue: acho que era seu um email que tentei receber há momentos, creio que com referência ao Quénia e a propósito da minha entrada sobre a criminalidade na África do Sul. Lamentavelmente, por razões que ignoro (eventualmente acção de um odioso xicuembo…), o meu controlador de mensagens apagou-o, o malvado, veja lá! Por favor: pode remandar-mo? Obrigado e abraço./Carlos Serra

16 junho 2006

Futebol: violência ritualizada e religião profana


Estamos em pleno campeonato mundial.
Milhares, milhões de pessoas, nos estádios, em frente aos televisores, com os ouvidos colados aos rádios, seguem religiosamente as peripécias dos jogos.
Futebol é duas coisas: violência ritualizada e religião profana. Permitam-me, a seguir, deixar aqui, a esse respeito, algumas hipóteses de um exercício epistemológico deliberadamente anti-sociológico.
Toda a história da humanidade tem sido um processo difícil de controlo dos instintos, de ritualização da violência, de amortecimento digamos que das pulsões primitivas armazenadas em nós. Existem, a propósito, belas páginas em Norbert Elias, por exemplo sobre como na Europa, século após século, se procedeu à domesticação dos instintos, nas formas de estarmos juntos, de nos cumprimentarmos, de comermos, de vestirmos, etc. Podemos também encontrar, a esse respeito, não menos belas páginas em Konrad Lorenz.
A domesticação da violência faz-se, por laboriosos processos de catharsis (descarga purificante, para usar uma expressão de Lorenz), através de um mecanismo básico: redução da carga lesiva através de mecanismos e cerimónias de substituição, amortecimento ou apaziguamento (nos contactos diários: o cumprimento, o sorriso, os abraços, os beijos, as palavras de boa recepção, o vestuário cobrindo a nossa nudez ameaçadora, os muitos sons de aquiescência e partilha).
Ora, o desporto é uma forma ritualizada de violência, amputada do seu potencial de destruição através de regras severas, culturalmente partilhadas, de inúmeras cerimónias de apaziguamento. No caso do futebol, 22 pessoas correm atrás de uma bola tentando metê-la nas balizas. É todo um extraodinário corpo de preparação, ritualização, execução e controlo.
O processo de catharsis opera a dois níveis:
1) Nos jogadores, que descarregam no esforço e no movimento, a violência universal de que eles são herdeiros naquele momento em que jogam;
2) No público, que descarrega sobre múltiplos objectos temáticos uma pulsão primordial e se apazigua com as vitórias ou se entristece e agride com as derrotas.
O árbitro é a excepcional figura sacerdótica socialmente escolhida para regular, moderar a violência ritualizada, ajudado pelos seus colegas de linha.
Mas, ao mesmo tempo que ritual de violência, o futebol é a mais imponente e mediática forma de religião profana da actualidade.
Com efeito, os campos de futebol são os reais substitutos dos templos de todos os tempos e regiões.
Ir a um jogo de futebol é ir a uma missa pagã: rezamos ferverosamente, imploramos aos deuses (as modernas estrelas do futebol), partilhamos a empatia da presença através de múltiplas maneiras (as claques são o exemplo mais flagrante), esperamos que o sacerdote (o árbitro) seja convicente. E regularmente voltamos ao templo para revigorar a nossa fé e aí deixar as nossas preces generosas para que vença o nosso clube, o nosso deus colectivo. As nossas tristezas, as nossas fragilidades, os nossos medos, ficam reactivamente atenuados se as nossas equipas ganham. Se não ganham, sabemos que ganharão um dia. Uma fé inabalável, que a magia, boa ou má, dos treinadores (os grandes curandeiros do ritual), alimenta em permanência.
Nenhum livro explica melhor o futebol do que "As formas elementares da vida religiosa", de Émile Durkheim. Somos, afinal, os antigos australianos de Durkheim, sobreexcitados e/ou apaziguados, agora renascidos e presentes nos belos templos relvados da Alemanha 2006.

N.B. Esta é uma primeira versão das minhas ideias, acho tudo isto ainda muito insosso, muito desconjuntado. Certamente encontrarei melhor conteúdo e forma, quando puder.

14 junho 2006

Livro


A Promédia acaba de editar a tese de mestrado de João Graziano Pereira, assistente da Faculdade de Letras e Ciências Sociais, que faz, entretanto, o doutoramento na África do Sul. Um livro a ler.

12 junho 2006

Centro de Estudos Africanos recorda a sua história em mesa-redonda, dia 15, 15.30 horas, no seu átrio, campus universitário

O nosso Centro de Estudos Africanos (CEA) tem um percurso de pesquisa mundialmente conhecido.
Mas viveu alguns momentos muito tristes.
Em 1982, uma bomba-carta matou a nossa directora científica, Ruth First, uma cientista social sul-africana mundialmente conhecida, militante anti-apartheid consequente, quando abria a sua correspondência.
Quatro anos depois, em 1986, o avião presidencial despenhou-se em território sul-africano, nele tendo perecido o presidente Samora Machel e a quase totalidade dos membros da sua comitiva, entre os quais o director do centro, Aquino de Bragança. Vinte anos se irão comemorar no dia 19 de Outubro.
É em memória dessa história longa e dos dos seus muitos trilhos epistemológicos, que, na próxima quinta-feira, dia 15, às 15.30, no átrio do CEA, em colaboração com o Centro de Documentação Samora Machel, realizamos uma mesa-redonda, com muitos convidados, entre os quais temos quatro especiais, vindos do estrangeiro, que jogaram um papel de relevo na vida do centro: Brigitte O´Laughin, antropóloga americana, investigadora hoje num centro holandês de pesquisa; Ana Maria Gentile, historiadora italiana, professora na Universidade de Bolonha; Jacques Depelchin, historiador zairota, professor nos Estados Unidos; Colin Darch, historiador e documentalista sul-africano.
Venham, apareçam, estejam connosco, dialoguem connosco.
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Veja os seguintes portais:
http://www.uem.mz/malangatana/index.htm
http://en.wikipedia.org/wiki/Ruth_First
http://www.roape.org/cgi-bin/roape/show/3703.html

11 junho 2006

O fantástico

Na escola primária do posto administrativo de Nguawala, distrito de Macossa, província de Manica, não existem janelas, portas, carteiras, material didáctico. Porém, segundo o director, o aproveitamento escolar atinge os 90% (Noticiário da Rádio Moçambique, emissão de hoje, 12.30 horas).

09 junho 2006

O que distingue a sociologia segundo Georg Simmel

“Não é o seu objecto, mas a sua maneira de ver, a abstracção particular que ela [a sociologia, C.S.] realiza, que a distingue das outras ciências histórico-sociais.”
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Simmel, Georg, Sociologie, Études sur les formes de la socialisation. Paris: PUF, 1992, p. 47.

Para uma possível definição do sociólogo

Para uma possível definição do sociólogo: o epicurista da dúvida, o operário do diferente, o bisturi que lanceta as ideias feitas.

As crianças adoram avelãs!

Sabeis que, aqui e acolá, tenho procurado mostrar como, no dia-a-dia, generalizamos de forma abusiva a propósito do que vemos, sentimos, ouvimos, etc.
Eis, a propósito, o extracto de um livro de Simone de Beauvoir: “A condescendência dos adultos transforma a infância numa espécie, cujos indivíduos se equivalem: não havia nada que mais me irritasse. Na Grillière, porque eu comia avelãs, a solteirona que era professora de Madeleine declarou doutamente: “As crianças adoram avelãs!”” (Memórias de uma menina bem-comportada. Lisboa: Bertrand, 1975, p. 63.)

08 junho 2006

Carrasco em fracções de segundo

Uma secção da Polícia Militar interpelou ontem um jovem estudante da Escola Secundária 12 de Outubro na cidade de Nampula, mesmo em frente à escola, por ele calçar sapatos supostamente militares. Intimado a acompanhar os militares ao quartel, o jovem recusou, apoiado por colegas. Gerou-se uma discussão, um dos soldados, de 23 anos, puxou da pistola e disparou para o peito do estudante, que se encontra sob cuidados intensivos da sala de reanimação do Hospital Central de Nampula, para extracção da bala. O soldado argumentou que os jovens “proferiram palavras injuriosas dizendo que nós não tínhamos nível académico suficiente para procedermos daquela maneira” (“Notícias” de hoje, p. 5).

Este é um exemplo da arbitraridade cruel, da vertigem brutal surgida de uma espécie de pulsão emocional compensatória (possivelmente fruto da acusação de insuficiência académica).
Em fracções de segundo, um jovem militar transformou-se no grande e brutal carrasco.

Desflorestar o País

Cerca de 30 toneladas de toros de madeira ilegalmente cortada na região de Moma, província de Nampula, foram recentemente apreendidos pela polícia (“Notícias” de hoje, p.6)
Seria importante tentarmos um dia avaliar, com rigor e independência, o grau de deflorestação (considerado já grave por alguns especialistas) em curso no país. Que um dia não nos venha a acontecer o que há décadas acontece no Sahel.

07 junho 2006

Corpo à mostra, passaporte para a prostituição e para a SIDA

Segundo o jornalista Victorino Xavier, do diário “Notícias”, líderes comunitários, mulheres, empresários e religiosos queixaram-se ao governador da província de Inhambane do facto de que as jovens activistas que tentam alertar as comunidades para o perigo da SIDA se apresentam muitas vezes com “roupas curtas” e “umbigo fora” (sic), violando “hábitos tradicionais” e suscitando a prostituição. Mulheres disseram que corpo à mostra é passaporte para a prostituição, pois os homens não resistem a isso. Que no seu tempo elas tapavam os corpos, com vestidos ou saias “até aos joelhos e as blusas bem largas escondendo todo o corpo” (“Notícias de hoje, p.2).
Não sei quantas pessoas realmente traçaram esse quadro sombrio.
Também fiquei sem saber o que são “hábitos tradicionais”.
Acresce que o jornalista é omisso sobre que critérios foram usados por quem falou para estabelecer a relação entre corpos desnudos e prostituição.
Seja como for e admitindo com sensatez que a descrição do jornalista corresponde ao que efectivamente foi dito, estamos confrontados com um choque de idades, de civilizações e de concepções da vida e do corpo.
Parece ser característica social dos seres humanos apontarem as suas épocas como repositórios dos verdadeiros bons costumes.
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O “Notícias” é um jornal muito oficial, muito governamental. Mas nas entrelinhas e, mesmo, em certos trabalhos colocados de frente, contém muita informação vital, muitas maneiras ricas de ler os fenómenos. É um excelente laboratório de estudo para os sociólogos.

06 junho 2006

Sociólogos: amanhã é o dia da nossa mesa-redonda no campus!

Sociólogos: amanhã é o dia da nossa mesa-redonda ("A sociologia em Moçambique"), não vos esqueçais, 9 horas, campus universitário, anfiteatro do Departamento de Sociologia (novas instalações).
Mas o convite é, naturalmente, extensivo a todos os cientistas sociais.
Até amanhã, então!

Composição orgânica da política

A gestão de um Estado pode ser avaliada através da composição orgânica da política. Esta depende da relação entre o capital de dominação (conjunto de procedimentos que concernem à coerção física directa) e o capital directivo (conjunto de procedimentos destinados a obter a adesão e/ou o amorfismo político dos cidadãos).
Quanto mais os gestores de um Estado investirem nos aparelhos repressivos e na repressão, mais alta será a a composição orgânica da política e menor, portanto, a taxa de lucro político, quer dizer, menor a legitimidade de quem domina.

Um documento sociológico notável

Continua, hoje ainda, a ser, para mim, um dos mais notáveis documentos sociológicos de todos os tempos, escrito e publicado na primeira metade do século XIX .
Eis a referência (versão em língua portuguesa): Engels, Friedrich, A situação da classe trabalhadora em Inglaterra. Lisboa: Presença/Martins Fontes, 1975.

Conflito de interpretações

Segundo o diário “Notícias” de hoje, o governo da Zambézia afirma-se satisfeito com os resultados obtidos na primeira fase de execução da Estratégia Global da Reforma do Sector Público, sendo já “notáveis” (sic) alguns resultados no combate à corrupção e encontrando-se o aparelho estatal mais flexível e mais próximo do cidadão.
Mas, de acordo com o mesmo jornal, opinião contrária tem o público. Por exemplo, no decorrer dos debates que assinalaram a divulgação dos resultados de uma sondagem feita pela organização não-governamental Ética Moçambique, foram denunciados casos de “numa mesma direcção provincial, por exemplo, ser possível encontrar-se situações em que metade dos funcionários são todos parentes” (“Notícias”, p. 3).

Corrupção em Moçambique

Um importante relatório, datado de 16 de Maio de 2005, intitulado “Corruption Assessment: Mozambique”, da autoria da USAID, revela graves problemas de corrupção em Moçambique.
Veja os seguintes portais:

http://maputo.usembassy.gov/corruption_assessment_mozambique._final_report_december_16_2005

http://www.open.ac.uk/technology/mozambique/p6.shtml

Assimetria distributiva em Timor-Leste

A tensão continua em Timor-Leste.
Muitos têm sido aqueles que têm ensaiado compreender as razões da grave instabilidade social que reina nesse pequeno país que um dia pode viver dos rendimentos do petróleo.
Mas poucos se têm preocupado em pensar numa coisa simples como a seguinte: os soldados revoltados, aqueles que lutaram pela independência, foram excluídos dos recursos de bem-estar e do prebendialismo que a independência recente, com apenas quatro anos de vida, outorgou a outros, muitos dos quais viveram exilados enquanto eles, os excluídos, passavam privações nas matas.
A exigência de demissão de primeiro-ministro Mário Alkatiri, um ex-exilado em Maputo durante muitos anos, e a formação de uma espécie de governo de reconciliação nacional, são, justamente, duas propostas claras de solução para a assimetria distributiva.

Criminalidade na África do Sul

O porta-voz da Aliança Democrática (o maior partido da oposição na África do Sul), Roy Jankielsohn, afirmou, citando estatísticas do Ministério da Segurança, que diariamente são assassinados 51 sul-africanos, violadas 151 mulheres e crianças e efectuados 347 assaltos à mão armada.
Em resposta, o ministro da Segurança, Charles Nqakyla, chamou piegas aos detractores e convidou-os a abandonar a África do Sul caso não estejam satisfeitos com a situação, “(…) para que todos nós, os que amamos a África do Sul, os bons sul-africanos que querem fazer um país de sucesso, possamos continuar a trabalhar” (“Notícias” de 5 de Junho, última página).
A África do Sul tem cada vez mais condomínios e zonas urbanas fortemente defendidos por guardas privados, cães e vedações electrificadas, tal como acontece, por exemplo, nos Estados-Unidos e no Brasil e, crescentemente, em Maputo. Quem não tem isso que se salve o melhor que puder.
Existem pelo menos 500 grupos criminosos organizados no país. Veja, por exemplo,
http://www.iss.co.za/pubs/ASR/8No6/MainTrends.html

05 junho 2006

O que é tradição?

Odeio definições, elas congelam a vida.
Mas, como já aqui uma vez escrevi, sou regularmente visitado pela inércia. Por isso vou propor-vos uma pequena e muito instrumental definição de tradição, bastante metafísica e certamente penosa para os tradicionalcratas: conjunto de representações e de práticas consideradas imutáveis que, monitoradas em permanência pelos guardiões da simbologia oficial, informam regularmente o comportamento médio dos actores sociais e constituem como que sinalizadores cognitivos e normativos na conflitualidade diária conhecido/desconhecido.

04 junho 2006

Mata-borraonismo

O que é um sociólogo mata-borrão? É aquele que absorve acriticamente teorias, ideias, autores. Por tudo e por nada citamos, ficamos mais tranquilos se a retaguarda do que afirmamos ou investigamos está protegida pela Santa Protecção dos clássicos.
Naturalmente que eu não me excluo do mata-borraonismo.
Façamos como Descartes: deixemos a tutela dos perceptores. A começar por ele.

Tribalices

Frequentemente os melhores livros de sociologia não são os dos sociólogos, mas os dos romancistas.
Por exemplo, para a sociologia dos primórdios da industrialização europeia temos Émile Zola.
Para o neo-colonialismo africano e para a radiografia impiedosa das novas elites, temos, entre outros, o escritor zairota Henri Lopes. Dele recomendo vivamente um clássico, sempre actual, o “Tribaliques” (Yaoundé: Éditions CLE, 1971), “Tribalices” na versão portuguesa (Lisboa: Edições 70, 1980). Esse livro ganhou o Grande Prémio Literário da África Negra em 1972.

O grande vidente de Bilbao


A Carmen, minha amiga e leitora deste diário, encontrou um prospecto publicitário no pára-brisas do seu carro em Bilbao e teve a gentileza de fazer um scanner e de mo enviar. Como se recordam, existem neste diário duas outras entradas sobre o mesmo tema, mas com curandeiros operando em Maputo.

03 junho 2006

Perguntas

Quando te puseres a sempre difícil questão de colocares ao fenómeno que queres investigar a pergunta ou as perguntas de partida, pensa que o caminho que estás a trilhar está errado.
Começa, antes, por te colocares a ti-próprio certo tipo de perguntas. Por exemplo, pergunta-te por que e como fazes as perguntas ao fenómeno. Pergunta-te o que, na tua pergunta ou nas tuas perguntas de partida para o fenómeno, te leva a fazê-la ou a fazê-las. Pergunta-te, em particular, quais são os determinismos que te guiam.
Porque, nunca esqueças isto, tu és apenas o coágulo de muitos outros que por ti tentam falar, que te habitam em permanência, tu és o repositório de um social que assimilaste desde a tua infância. Claro, ter consciência disso não vai resolver problemas, mas vai ajudar-te a ter consciência do problema dos teus problemas.

São Paulo


Esta foto foi-me enviada por Iolanda Aguiar, a quem muito agradeço.

Respostas

Sabes, tu, ó investigador, não é quando tens todas as respostas que deves ficar tranquilo. Não, é apenas quando não tens nenhuma.

Egoísmo e altruísmo

Se há coisa difícil, entre as muitas coisas difíceis da vida, ela consiste em tentar substituir o egoísmo pelo altruísmo.
Somos educados a amar os próximos, os muitos próximos, não os distantes.
Os próximos pertencem aos sentimentos; os distantes, à inteligência.
Por isso é regra geral apenas com a inteligência que podemos tentar abrir uma porta no egoísmo para entrar no altruísmo.
Não é pregando a humanidade que a ela chegamos. Não é pregando amar ao próximo que o amaremos. A cidade é a anti-natureza da aldeia.
Os oficiantes dos cultos religiosos, os praticantes da caridade, os socialistas, os realmente bondosos que escolheram sair de si e dos próximos, esses têm tentado abrir a porta.
Mas no geral somos todos o nosso canto, a demeure close, lá onde as páginas dos jornais e as televisões nos dão, diariamente, uma humanidade toda igual que, na vida real, recusamos.

02 junho 2006

A bicicleta, as pessoas e as necessidades


Publicada no “Notícias” de hoje, p.5.

Teorias

Não é quando criamos boas teorias que aprendemos, é quando elas falham.

Tudo se pode curar


Esses dois anúncios foram publicados num semanário local.
Dispenso qualquer tipo de comentário.

Inhassunge: magia e assassinato de mulheres idosas

Em reportagem publicada com grande destaque no “Notícias” de ontem, o jornalista Jocas Achar descreveu a multiplicidade de acusações de feitiçaria que recai sobre as pessoas idosas, especialmente mulheres, em idade improdutiva portanto, no distrito costeiro de Inhassunge, província da Zambézia.
Segundo o jornalista, acusadas de serem responsáveis por infortúnios diversos (mortes por doença, por exemplo), mulheres idosas há que abandonam o distrito à noite e vão para a cidade de Quelimane, onde se dedicam à mendicidade.
De acordo com um residente da zona, todas as semanas assim sucede. E fazendo fé no presidente da Associação dos Médicos Tradicionais da província da Zambézia, “qualquer natural de Inhassunge nasce, cresce e morrer a pensar que a doença é obra do feitiço. Nada acontece naturalmente, tudo encontra explicação na magia negra…” (“Notícias”, p. 2). Teria sido interessante apurar se o fenómeno é tão natural assim.
Entretanto, para contrariar a acção do suposto feitiço, os parentes do (a) acusada de feitiçaria são colectados em determinados montantes monetários destinados a pagar os serviços de um grupo punidor de jovens, os jovens do “machado mágico”, que batem no (a) acusado (a) ou (o) a matam, deixando depois o machado no quintal da vítima (idem).
Portanto, a pergunta nunca é “O que é que provocou esta morte?”, mas, antes, “quem é que provocou esta morte?”
Infelizmente, o jornalista não explorou a relação existente entre acusação de feitiçaria e propriedade de coqueiros. Na verdade, tal como acontece na zona costeira da província de Inhambane, frequentemente as acusadas de feitiçaria são mulheres proprietárias de coqueiros.
O nosso país não dispõe de uma “comissão sobre bruxaria e rituais de violência”, à semelhança da África do Sul, onde, por exemplo, em 1994, se registaram centenas de mortos por acusação de bruxaria e assassinato (“Notícias”, 21 de Agosto de 1995, p.9).
Dedicamos muitas horas ao debate sobre vítimas de malária, de HIV/SIDA, etc., mas nenhuma a este trágico fenómeno, cujos inúmeros casos raramente chegam à alçada da polícia ou dos tribunais, dada a cultura do silêncio e do medo que o rodeia.
Devíamos assustar-nos com a dimensão do problema, se tivermos em conta as dificuldades com que os camponeses vivem, a exposição a doenças de todos os tipos, a deficiente assistência médica e medicamentosa que recebem, etc.

01 junho 2006

Inflação dos sentimentos

Esta inflação dos sentimentos, este curto-circuito que as emoções desencadeiam quando perturbadas pela virulência da inteligência.

Espírito do deixa-falar

Há um novo blog no país.
O seu coordenador, Geraldo dos Santos, pediu-me que eu anunciasse isso e assim cumpro. De resto sou colega dele lá.
Logo que puder coloco aqui o link.
No entretanto, aí vai o endereço do blog:

http://www.espiritododeixafalar.blogspot.com