01 maio 2006

Psicologia e psquiatria

Podem ser considerados dois momentos interligados na disciplinarização social que tem o seu auge no século XIX europeu: o classificatório e o organizador.
O classificatório, baseado na Razão e na lógica binária (lei/caos, objectivo/subjectivo, espírito/matéria, corpo/alma, bem/mal, racional/irracional, são/doente, normal/anormal, perigoso/inofensivo, interior/exterior, civilizado/atrasado, história/sem-história, etc.); o organizador panóptico, que dota os hospitais, as escolas, as prisões, os diferentes aparelhos do Estado enfim, de princípios espaciais de assepsia política: ordem, norma e vigilância permanente. O desenvolvimento rápido da estatística e da polícia é, a esse respeito, sintomático.
Por trás dos dispositivos carcerais e preventivos, esconde-se, como escreveu Foucault, o medo dos contágio, da peste, das revoltas, dos crimes, da vagabundagem, das deserções, das pessoas que aparecem e desaparecem, vivem e moram na desordem. (1)
O poder disciplinar encontra na prisão o seu centro por excelência para, tal como no caso dos hospitais psiquiátricos, dar origem ao estudo do desviante social enquanto objecto de investigação científica.
Assim nasce a psicologia.
Ao desviante social junta-se o doente mental.
O doente mental é uma figura emblemática das famílias semânticas da desordem primordial, ele reabsorve a densidade aguda da patologização social. Por ser havido como transgressor, por ser considerado perigoso, o doente mental é o objecto de uma disciplina que já foi um ramo da higiene pública, a psiquiatria, área do saber que jogou um papel fundamental da disciplinarização social iniciada na Europa.
A patologização classificatória médica encontra o seu exercício pleno na localização dos hospitais psiquiátricos, construídos em locais distantes das cidades, exteriores, portanto, ao mundo dos "normais", bem como nos muros, nos quartos de clausura e nas correntes para os mais "agitados".
Psicologia e psiquiatria são, ambas, caucionadas pelo poder judiciário. E ambas juntam-se à sociologia e à antropologia na sistemática tarefa estatal de disciplinarização social.
Assim, todas essas ciências do homem, hoje tão dignas, guardam uma ligação íntima e genética com a disciplina procurada pelos Estados e pelos governantes (2).
________________________________
(1) Foucault, Michel, Surveiller et punir, Naissance de la prison. Paris : Éditions Gallimard, 1975, p.200.
(2) Ibid., pp. 226-229;___ Les anormaux. Paris: Éditions Gallimard/Le Seuil, 1999, pp. 101-126; ____Pouvoir et vérité, in Dreyfus, Hubert et Rabinow, Paul, Michel Foucault, Un parcours philosophique. Paris: Éditions Gallimard, 1989, pp. 277-278.

6 comentários:

Anónimo disse...

Il n’y a d’autre morale, pour Foulcaut, que celle de l’intolérable. A la posture intellectuelle classique des grandes affirmations généreuses et des promesses de lendemains qui chantent, il a toujours préféré la critique de situassions actuelles et de la construction de savoirs localisés pouvant servir aux luttes concrètes. Dénoncer l’inacceptable, plutôt que promettre les grandes libérations. S’indigner plutôt que prophétiser. Ses engagements portent la trace de cette éthique : aux côtés des prisonniers, pour leur donner la parole, et j’en passe …

Pour Lui, le pouvoir, ce n’est que l’Etat avec son arsenal juridique, son organisation hiérarchique et sa répression policière, ses mensonges et ses fausses promesses. Le pouvoir désigne chez Foulcaut quelque chose de plus large : le pouvoir c’est l’application d’une force déterminée sur un corps, une vie, un temps humains pour contraindre et réguler des comportements. Comme il y a des machines pour produire des biens ou encore des signes, il y a des machines, des stratégies, pour produire de conduites. Et ces dernières entraîne des résistances stratégies, des contre-stratégies. Ainsi, plutôt que de chercher à lire des métamorphoses du pouvoir à partir d’une histoire de l’Etat et de ses théories, il faut privilégier tous les petits appareillages socio-éducatifs par les quels on informe les existences. C’est ainsi que la prison se comprend à partir de la mise en place d’un nouveau style de pouvoir : le pouvoir disciplinaire qui s’appuie sur la surveillance continue, sur la normalisation rampante et sourde.
Dès lors, je me demande si L’Etat et les gouvernants cherchent-il vraiment la discipline ou simplement à garantir le pouvoir ?

Carlos Serra disse...

Attends ma réponse. Mais il va falloir écrire en portugais et pour cause, Paula = Aguarda a minha resposta, mas vai ser necessário escrever em português e justificadamente.

Anónimo disse...

okay, aguardo-a com prazer e como diria o poeta "minha patria é minha lingua" entao que venha de là "a lingua de Camoes". para "lusofonarmos a questao"
bem haja, Professor

Carlos Serra disse...

Paula: li o teu comentário. Olha, descobri Foucault em Paris, depois de ler Crozier, após o que passei rapidamente a Bourdieu. Fascinou-me a espantosa arqueologia que ele fez do poder, das suas nervuras, dos seus recantos mais íntimos, especialmente aquele micro-poder aplicado ao corpo, à gestão corporal. Eu li Foucault na minha condição de sociólogo nascente, em 1993/4. Hoje tenho para mim que ele fez na filosofia o que Bourdieu fez na sociologia: a agrimensura do condicionamento social a todos os níveis. Olha: estou totalmente de acordo com o que escreveste e podes crer que me obrigas a reler Foucault pelos teus olhos. Penso, a terminar, que todos os gestores do Estado duas coisa fazem e/ou anseiam: gerir mentalidades para não se preocuparem com os corpos rebeldes (claro, há a fórmula inversa: surrarem os corpos para eliminarem as mentalidades). E aqui importa voltar ao velho Gramsci, ao sempre controverso conceito de hegemonia. Fica bem, aparece sempre.

Anónimo disse...

bom dia professor
é muito gentil da sua parte, dispensar um pouco do seu precioso tempo, com as minhas cogitaçoes que tendem para o infinito...
i.é a cada "inspiraçao e expriraçao " cerne dos processos vitais do ser humano
eu cogito, para mim a existencia faz-se de sensos e contrasensos, incertezas e certezas, o civilizado e o incivilizado, racionalismo e irracionalismos, objectivo e subjectivo sem contudo se bipolarizarem, elas misturam-se num complexo emaranhado de ideias. Ideias essas que, por questoes
metodologicas, somos obrigados a separa-las, diga-se de passagem ...(exemplo existem Sàbios que passam a sua vida a insistir nas diferenças intelectuais que opoem Durkheim et Weber. Enquanto a meu ver um e outro sao complementares mas, isto nao quer dizer que pretendo restringi-los a uma analise, que no limite se manifesta reducionista. Nao, nao, porque se Eles se ignoraram mutuamente é porque pretendiam evidentemente acentuar as suas divergencias, Eles estavam concientes que propunham paradigmas diferentes! Contradigo-me?! Creio que nao. Parafrazeando Crozier, apenas alimento a luta permanente entre a minha liberdade e as contrariedades da organizaçao dos sitemas , digo sistemas em sentido lato ( incluindo sistemas de ideias).
De toda a maneira vai-me fazer descobrir o sempre "jovem e actual" "velho Gramsci".
Agora tenho que me remeter ao trabalho, porque os professores nao sao todos tão disponiveis e simpàticos como o Sr.
bem haja

Carlos Serra disse...

Paula: cá por mim sempre gostei de ler Heráclito, essa coisinha do choque e da complementaridade…Olha, obrigado pela bela e triste carta do Garcia Marquez, que eu não conhecia.